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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A menina Sabichona

Lembro muito bem quando entrei pela primeira vez na sala de aula da escola nova. Era o pré-zinho e eu achava tudo grande e assustador, embora fosse pequeno e singelo.


Nos meus ouvidos roçava uma música fúnebre que combinava bem com a chacota que eu já esperava de todas as meninas e meninos, bullying sobre meu cabelo escorrido e minha estatura acima da média.

A professora me empurrou para aquele suplicio que é ficar de frente pra turma e dizer meu nome, idade e porque eu troquei de escola. Bochechas vermelhas, mãos geladas e suando frio eu resmunguei o Flávia, falei que tinha 6 anos : quase 7 e que tinha mudado de bairro.

Olhando retrospectivamente, percebo que o sofrimento podia ter sido maior. Mas, no momento em que o silêncio ameaçava se acometer, e obrigar a professora a liberar a turma a me sabatinar você aconteceu.

Rostinho de lua, covinhas no sorriso, cara de sabichona e um senso de oportunidade que sempre me deixou de queixo caído. Arredou para o lado e me chamou pra sentar do seu lado. Desde aquele dia eu sabia que a vida seria diferente por ela estar ali.

Dividíamos o lanche: trocava meus sanduichinhos de bisnaguinha seven boys pelo mirabel dela. Brincávamos na gangorra e corríamos a valer para escapar dos meninos maiores. Ficávamos bravas por que a Eillen coloria tudo certinho sem deixar sair um risquinho e a gente coloria tudo fora do limite: A gente sempre foi de ir além do que nos limitavam.

Você, dois anos mais nova que todo mundo, e já no pré. Ouvia falar sempre, fazendo reboliço com essas bochechas inchadas: “sou superdotada” e embora eu respondesse que se você fosse inteligente mesmo, não contava isso pra ninguém, sempre soube que era verdade: Você é superdotada em muitas coisas, e uma é a capacidade de fazer a gente feliz.

Lembra quando acabaram as florzinhas desenhadas no seu caderno? Lembra quando ficávamos na grade do portão da escola vigiando nossas mães chegarem e morríamos de medo de nos deixarem lá pra sempre? Lembra que eu queria ser médica? E pensa, você nunca pensou em ser jornalista naquela época!

Lembra que, já mais velhas, você lia comigo Manoel Bandeira, Vinícius de Moraes, e nós achávamos que poesia era uma mistura de rima e pornografia? Os trabalhos na sua casa, quando subíamos no telhado para ver as pessoas na rua. Quando morríamos de medo da brincadeira do copo, quando achávamos os Diego’s lindos. Quando escrevíamos nas carteiras e quando éramos chamadas de CDF’s.

Por isso tudo, quero que você fique boa logo. Afinal o mundo é um lugar terrível sem essa menina sabe tudo e seu sorriso de apagar estrelas.

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