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sexta-feira, 20 de maio de 2016

Pródromos

O sol entra por uma fresta na janela e faz uma linha de luz no edredom da cama. Estou recostada na minha pilha de travesseiros, segurando a coluna e a barrigona, enquanto do outro lado da cama o bercinho moisés que abrigará meu pequeno nos próximos meses brilha na luz opaca do sol de fim de tarde.

Logo em frente a cama um letreiro, desses de madeira, me lembra por que estamos aqui:
Amor.
Já fazem 3 dias que sinto algumas pontadas e cólicas mais fortes. Dizem que a dor do parto é uma dor de morte, mas para mim será a dor da vida. Da sua vida. Da minha vida. Das nossas vidas juntas.
E se dói a vida, e se vale sentir a dor, é porque há amor aqui. Há amor em tudo. Amor no diminuto berço que seu pai montou e que você vai dormir ao meu lado.
Amor nos meus olhos marejados de ansiedade e vontade de você. De sentir seu cheiro, seu gosto. De sentir sua boca em meu seio sugando com vontade o alimento que meu corpo produz só para você, em uma sinergia perfeita, meu peito produz aquilo que seu corpo precisa.
E vamos crescer juntos. Eu doando ao seu corpo e você a meu espírito. Você cresce as coxas, eu cresço a alma.
Me perdoem os poetas. Nada no mundo se compara.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Vazia

Eu sei. Não pode ter saudade. Com você é vontade e só.
É seu corpo no meu corpo, sua boca na minha. Mas nada que marque profundamente, como dizer que gosta, ou que tem saudade, ou unhas.
Com você é afastar aquele sentimentalismo, tão próprio de mim mesma e ser aquela que eu só costumo ser depois de dizer que amo. Mas ser sem dizer, ser sem sentir. Ser, pra sentir correndo sangue nas minhas veias secas e sedentas.

Mas o que anda vazio não é a pelvis. O que precisa de vontade não é meu corpo fêmeo e suave. É a alma atormentada. É a falta de pureza e sentimento.

Quem está vazia sou eu.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

O problema é a campainha com NH

“Eu não gosto mais dela” – Não acreditei na minha voz dizendo aquilo, com meu tom decidido e desbotado, tentei dar algum crédito à voz que falava através de mim. Categórica em deixar minha menina do lado de fora dessa galáxia, deste planeta que gira como satélite dela.

Todo mundo na mesa acreditou piamente nas minhas pálidas palavras, mas eu sabia que ia sair dali correndo e parar na porta do prédio dela. Ligo, o telefone toca e ela atende com voz de sono – O que é? – Deve ser saudade, vício – respondo sem conseguir esconder a ansiedade nestas poucas palavras. Ela abre, eu entro. O Problema existencial é que ela sempre abre e eu sempre entro.

Ela me faz um café e eu sento em sua cadeira preferida, boto banca de melhor amigo, censuro o velho pijama de ursinhos que ela usa e os óculos – Quase ninguém te viu de óculos, virada do avesso, por dentro - Eu estou ali tocando todos os pontos delicados, enfiando os dedos nas feridas entreabertas e vendo sangrar. Implicar com você é minha forma de dizer o que venho calando nesta falsa indiferença. E ai falo que se fosse eu o cara da tua vida, não te deixava toda linda de pijamas na sexta a noite, sozinha comendo miojo – vão se embora todas as minhas tentativas de fugir dela.

Cruel e categórica, diz que eu cheguei tarde – 3 da manhã marca o relógio – e que lá se foi a sexta e o macarrão instantaneo. E olhando seus olhos escuros, começa minha cena de sempre.
Eu não quero ir embora, mas me faço de melodramático, uso todo meu falso charme aprendido na sessão da tarde que assisto todo dia entre o estágio e a faculdade, pedindo na negativa que a garota abra espaço no travesseiro e me realoque entre seus cobertores.


Mas ela nega. Não cai no meu papo de caixa de cereal. Nada de quebra cabeças de brinde. Ela só não me quer no seu espaço. Faz o discurso. É o momento. E lá estou eu tentando ter ela pra mim. Mesmo que na manhã seguinte ela fale a velha frase de sempre “não acho que foi certo” e eu saia correndo com medo de me afogar no café frio que bebo no batente da porta, querendo ficar e querendo correr. É que teu sorriso de manhã se apaga e fica aquela culpa receosa de quem mistura amizade e amor.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Mais uma vez o tempo.

Eu já não tenho tempo.
Sinto que envelheci, me entorpeci, endureci algo que devia ser mole por aqui.
E o tempo se foi.
Estou sem tempo para rir ou chorar. Estou sem meus minutos sórdidos de me ver do avesso, sem beira ou princípio. Morena, do samba e nem sei mais sambar.
Estou perdendo algo que não sei o que, um ziriguidum sem compromisso. Seja por idade, seja por viço, mas meu sorriso já não sorri igual.
Já não tenho tempo pra perder horas, dias, semanas. É tudo planejado, sincronizado. É tudo por porquê.
E eu sinto falta de quando nada tinha motivo. Nem escrever, nem ler, nem ouvir, nem ver. Tudo por vontade, simples, sem trato, sem sexo ou seja lá o que foi que chegou e mudou tudo aqui.
Quero me encontrar de novo e por isso escrevo.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Incerto

Eu quero me amarrar a você, mas agora não sei se devo
É que apareceu aquele, que me sorriu tão leve doutra vez
E assim eu já não sei, se maio ou setembro,
Se vestido branco ou a cor da tez

Eu quero sim, acordar do teu lado,
Todo dia ter você aqui,
De fala rouca, ao pé do ouvido
Mas me diz homem, será que já vivi o que era pra ser vivido?

Você me fala de talvez, é concreto, é inquieto
Sobre essa coisa de ventre, incerto
Tanto direto, como quieto,
E esse é o sonho que eu sei sonhar

Eu quero sim, ouvir a música que a gente escolheu
Deitar nos lençóis que sua vó nos deu,
Mas quero meu direito a acreditar
Que o que cada um escolhe, tem chance de realizar

Então o outro chegou tão risonho
Não viveu nada do que eu também não vi
E agora diz, moreno, dá pra arriscar
A chance de felicidade?
É que na minha idade
Tudo ainda é urgência
Demência

Me dá uma luz por ai
me faz de novo
Eu só quero ser amada.

domingo, 14 de julho de 2013

Estou opaca demais

Eu não li o horoscopo. Se for para fazer diferente, começar um ano novo, que tudo se inicie comigo tomando as rédeas das coisas por aqui. Não vou mais deixar que a inclinação da lua em relação a saturno ou mercúrio me digam se devo ter sucesso no amor ou nos negócios. Quero ser feliz nos dois, e não me dou direito a menos do que isso.

Ando cavoucando coisas nos meus velhos escritos, tô terminando o que mal comecei e sinto que tem muita história pra ser escrita por aqui. Dentro de mim. Do meu lado direito e do meu avesso. Eu toco minhas mãos procurando o que se encontra entre elas, um coração que erra, uma mente que sonha e uma mulher completa em si.

Onde guardei aquele desejo de sempre mais? Me disseram que não era certo ser eternamente descontente e eu me contentei em ser inteiramente complacente com o que viesse.

Pego minha mais afiada faca e vou cortando. Vou abrindo caminho ao centro de mim. E pra isso volto. Volto atrás, no meio, na frente. Me deparo comigo mesma refletida em mil espelhos com a idade que não tenho. As vezes muito nova, outras velha demais.


Estou em algum ponto entre gêmeos e leão, entre meu ascendente virgem e minha realidade opaca.

Meu outono

As histórias de amor são como ponto e vírgula em textos densos; fazem a estória fazer sentido e mudam a rota dos acontecimentos.

Não são eternas como pontos finais, nem dúbias como interrogações. São a incerteza da continuidade, são o medo do não, do sim. Medo de mim e de você.
Meu outono chegou mais cedo este ano.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Gandarela

Abri uma gaveta velha,
Dessas emperradas pelo mofo
Amarelada, suja e fosca lá estava ela
A foto na serra do gandarela
Você olhava o horizonte com olhos de porvir
Eu nem entendia bem o que eu fazia ali
Minha face perdida gritava o que eu não quis ver
A vida de comercial de margarina, só era bonita na tevê
Com teus olhos pretos de um escuro sem fim,
Você olhava a lente
Que um estranho apontava para nós
A minha escuridão saia no sorriso amarelo de clichê
Que sorri mais para o estranho que pra você
E embora nossos rostos se alinhassem num encontro amplo
Eu estava em Marte e não ali
Na serra do Gandarela

E num retrato 15 x 21

dois eram menos que um
Eu era menos você

E era muito menos eu.

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