No dia em que perdi você o sol estava resplandecente no céu, e a tarde parecia coisa de cinema, daqueles filmes de mulherzinha que você tanto gosta, e isso me passou completamente despercebido na minha necessidade de ver tudo, menos você e as coisas que te importavam. Terminamos o dia deitados um ao lado do outro, assistindo meu seriado favorito e nem parei pra reparar que sua pele não tinha mais o calor habitual, e que você não havia jogado a perna direita sobre as minhas. Havia tempo que carinhos desse tipo tinham entrado no lugar-comum das coisas corriqueiras.
No dia em que perdi você, eu já havia perdido-a a muito tempo, nesse dia eu só ganhei consciência de que aquela morena espetacular, de covinhas e sardas não tinha mais nenhuma pinta de minha.
Fui ignorante em pensar que manter nosso amor significava te dizer ‘eu te amo’ automaticamente, e te ligar uma vez ao dia no trabalho pra ver como você tava. Isso era cuidado, e não, não bastava. Eu não parei pra pensar que você tinha todos os seus sonhos e desejos e que havia me dito, lá no comecinho, mexendo aquela boca rosada, que queria bem mais do que um amor ligado no 110. Você era 220 v, e não tinha qualquer adaptador que fizesse funcionar em outra voltagem.
Quando te perdi, dei de ombros e pensei que pior pra você, eu era um solteiro cobiçado, desejável, com milhões de baladas e amigos. Era jovem, bem empregado, falava inglês, lia tudo que o Stephen Hawking escrevia e conhecia o nome de umas 5 constelações, o bastante pra conquistar uma loira que desse de 10 nessa sua falta de modéstia, e nocauteasse o seu amor próprio – ingênuo, eu pensei que bastava me ver bem pra te fazer ciúmes e você voltar correndo. Mas isso passa morena, e eu sei que passei.
No dia em que me dei conta que te perdi, ignorei tudo que dizia a música do barão vermelho e chorei como menino pequeno. Debulhei minhas lágrimas em cima da sua camiseta rosa que ficou esquecida no meu guarda roupa, tinha seu cheiro flor, tinha você ali em cada detalhe de tudo: na cortina que você escolheu, nas meias novas que comprou pra mim, nas cuecas Box que você achava sexy, e até então eu não tinha aberto os olhos pra te ver em nenhum desses detalhes. Eu não te vi nas coisas pequenas, como veria nas grandes?
Naquela última vez que nos entregamos um ao outro. Você de olhos fechados o tempo todo. Achei estranho: você, que fazia amor com os olhos também, não querer ver? Seu brilho estava apagado, não tinha nesses lagos castanhos aquele ziriguidum que elevava minha testosterona a estratosfera e que era tão excitante quanto a loucura do seu quadril à brasileira. Só agora penso que você devia ter feito amor não com quem eu era naquele instante, mas com a lembrança do que eu tinha sido antes: O cara bacana e romântico que te agarrava pelos corredores, e punha flores no seu cabelo, que mordia sua cintura e fazia café da manhã pra você. Sabe, acho que deve ter sido brochante dormir com esse outro cara que eu me tornei. Eu ali te consumindo, e já tinha sido consumido há muito tempo dentro de você.
Quando tive que engolir meu choro, secar as lágrimas na minha camisa do Mengão, e aceitar que nosso time não passava agora de uma fotografia na gaveta, percebi que não me importava nenhum pouco com as toalhas molhadas que você deixava na minha cadeira. E não ligava se você cozinhasse sempre macarrão e/ou strogonoff, nem de perto tinha importância você ter cortado o cabelo curto e eu gostar dele comprido. Eu nem ligava pra suas amigas que diziam que você merecia coisa melhor: elas estavam certas, você merecia mesmo. Mas eu podia ser esse melhor pra você, é sério, eu podia.
Hoje vi suas coxas passando por mim, encimadas por aquele seu vestidinho de babados. Fui educado, e cumprimentei-as mas, não saberia dizer como você estava: me faltou coragem pra ver nos seus olhos meu reflexo e minha frustração. Acabou que disse ‘oi’ ao seu pezinho 37, tão pequeno para sustentar esse mulherão que me deixou sem eira nem beira. Suspirando toda a minha autoconfiança, te vi passar. Mais linda do que nunca, vestindo sua certeza de que da próxima será diferente.
Cheguei por indicação da Liliam e adorei.
ResponderExcluirVocê escreve muito bem...
Adorei o conto...O dia que perdi você...
Beijos
Francielle Vargas