De minhas, só as palavras. Nenhuma bolsa onde levar apenas o que posso carregar, nenhum castelo, ou espada para defendê-lo. De minhas, só tenho as palavras.
E nunca as trato bem. Não tenho compromisso com o erudito, e não conheço palavras rebuscadas. Uso jargões já cansados e clichês desbotados.
Mas não as roubo. As que tenho serão usadas para explicar, exemplificar e pontuar o que sinto e vejo. E de pontos, só o final e pequenas vírgulas. Desconheço as exclamações, e sou inteira interrogações, que de tão usadas vão tornando-se afirmações.
De minhas palavras não recebo abandono ou critica. Somos amantes ferozes para os quais não há espaço ou tempo. E minhas palavras amantes costumam querer um enlace em momentos impróprios. E vão crescendo em mim até me sufocar e ser quase impossível não transbordá-las ao papel, a minha mão, e a qualquer superfície que se permita marcar. São exigentes e cruéis, me fazem perder o sono sistematicamente.
De minhas só as palavras, e há momentos em que penso que eu é que sou delas, refém fiel e estolcombatizada de seus desejos caprichosos.
Gostam que eu as enfileire e organize, e adoram surgir em mim de forma complicada e desordenada. Pegam-me pelo calcanhar e me fazem beber do fel, e provar o mais doce néctar. Tudo é uma questão de vontade e desejo.
De minhas, só as palavras, e no final, eu é que sou delas. Receptáculo para suas danças e canções, sou coreografa de uma dança pré-conduzida.
Minhas palavras me possuem me comandam. Neste momento mesmo, são elas a lhes falar, não eu. As frases me acontecem no instante em que as escrevo. E me possuem gananciosamente. Nada deixam de meu: tudo são elas.
Não posso sequer dizer que somos ‘nós’. Sou eu e mim, e elas. Algumas palavras são eles. E a grande maioria não se encaixa em gênero, só em grau e fato.
De minhas, nem as palavras. Afinal elas só me possuem no instante em que as uso, e depois não me possuem mais. E eu as possuo apenas enquanto ainda não saíram de mim, e quando estão em mim, elas não tem força.
Quero todas as palavras e sua ânsia voluptuosa por ser. Não por estar.
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