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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Eu quero um substantivo

Essa falta de substantivo me assola. Sou coesa demais com meus sentimentos para ter um deles na prateleira sem a etiqueta de nome. Incomoda-me não ter a certeza de um contorno conhecido. Eu sei o quanto você gosta dessa dança solta, e embora eu não seja de coreografias decoradas, gosto de saber qual é o ritmo.


Tá, eu gosto de você. Gosto com tranquilidade e com aquele tom suave que tem uma camiseta branca. O que preocupa é que isso tem um sabor diferente, e como prato novo, não foi possível categorizá-lo em nenhuma das cozinhas que conheço.

Você me acha muito confusa, e é verdade eu sou. Nasci com direito a confusão, é uma questão de gênero: Sou mulher, sou confusa. Mas é você quem me confunde não dando nome pra essas coisas que a gente sente. Eu posso rotular? Ou você etiquetará nosso frasco?

Eu durmo com você. Eu durmo, você não. Eu te disse que era um péssimo indicativo, e você riu da minha maneira matemática de cotar suas reações como indicadores da bolsa de New York. É que racionalizar sentimento é impossível, então pego as beiradas que me sobram nesse cobertor curto e tento entender o que acontece nessa nossa aventura. Será esse o nome?

Sim, eu tenho alguns superpoderes. Sou elástica, tenho riso fácil. Não sei o que é obturar dente, falo de amor como quem fala de química: tenho a pretensão de conhecer todas as reações. Sou obtusa às vezes, e tenho um medo imenso de não compreender seus sinais. Mas nenhum dos meus superpoderes inclui saber o que está na sua mente, e eu nem sei se consegui chegar ao seu pericárdio, que dirá me instalar nesse seu coração?

Na minha contemplação muda, percebo bem mais do que você imagina. Desenho em minha mente o quadro clínico dessa nossa história, e vou rascunhando sua ‘ficha de personagem’. Você tem habilidades de destreza, carisma, esquiva – nessa você tem até bônus - e tem ganhado muitos pontos no corpo-a-corpo, que, aliás, sempre foi uma especialidade. E de armas, bem: só não quero que use a bat-corda e desapareça do meu palco; de resto sinta-se a vontade para fazer seu jogo.

Do outro lado da minha taça de vinho vejo seu sorriso, e, se não é um amor tipo o da cinderela, já visualizo alguém que conquistou essa minha estação chuvosa, e minhas tardes mais preguiçosas. Mas que nome tem isso? Como se chama essa vontade? Porque não damos um nome? Você sabe o quanto gosto de substantivos.

Sei que tudo que tem forma pode ser mapeado, e consequentemente destruído. Eu li com avidez ‘a arte da guerra’ e entendo bastante sobre em que terreno lutar, e quais as circunstancias me garantem maiores chances de vitória. A questão é que você foge dos meus parâmetros e escapa do meu rigoroso controle de qualidade. Na verdade, o que mais gosto em você, são justamente os defeitos.

Close, foco: fecho o diafragma, pisco mais rápido que o obturador, e leio nas entrelinhas a brevidade de tudo. Não, não quero um amor pra vida inteira, não tenho qualquer impulso reprodutivo-corporativo: pra isso eu tenho tempo. Eu só quero a certeza de um de seus verões, e poder dar nome para isso. Quero que este pequeno instante-tempo seja pleno e substantivado.

A falta de nome me assusta mais que o fato de fazermos planos. Planos pertencem ao voluntarioso futuro, e de nosso, nós dois sabemos, só temos o presente. Não estou preocupada com o que imaginamos. Com o que sonhamos ou planejamos. Não ter um agora me parece bem mais assustador do que não ter um depois. Você conseguiu me acompanhar? É que me parece tão difícil de explicar, e você vive dizendo que eu tenho palavras pra tudo. Eu tenho teoria pra tudo, mas na prática é tão mais difícil. Invariavelmente complicado.

2 comentários:

  1. Ohh!
    Ultimamente tenho me identificado bastante com seus textos. Apesar de extremamente pessoais, eles se encaixam perfeitamente em várias situações e questionamentos com os quais me esbarro.

    Salatiel

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  2. Queria ser o personagem principal de suas historias são lindas meus sinceros parabens

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