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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mineirinha

Não é que tenha desacreditado no amor, ou coisa do tipo. Na sua casa há um altar com rosas vermelhas, dedicado a todos os amores que passaram por ali. Com forro rendado e vela de alcaçuz, para na tessitura da renda caber todas as memórias e alcaçuz pra deixar no ar aquele cheiro doce de coisa boa que passou.


Banha-se em alecrim, e põem uma rosa no cabelo. Canela na carteira pra atrair dinheiro e novo amor. Mas não atrai é nada. Fim do mês e ela tá sem grana, em casa: com altar cheio e coração vazio.

Mas não desiste. Porque em algum lugar desse mundão de Deus deve haver alguém pra ficar junto. Alguém pra rir, derramar chocolate e brincar de lamber a bochecha. Tem que haver um tiquitinho de loucura nesse seu mundo tão lúcido. De lucidez, já chega a sua.

Vestido novo, cabelo novo, pulseira nova. Mas o coração é velho. Tá cansado de buscar alguma coisa inteira no meio desse tanto de retalhos, de remendar pedacinhos de pano tom-sob-tom para ver se vira uma coisa só. E num vira nada!

Essa moça não se esforça pro amor chegar, mas se chegasse ouxi. Que bom seria! E vive na expectativa de que, sem esperar ele apareça. E no fim, vira tudo uma expectativa ansiosa que só, e no fim ela espera, que espera. Namoradeira na janela. Senta, pés soltos no ar e namora a vida passar.

Mas do amor verdadeiro não desacredita. É igual cabeça de bacalhau: Nunca viu, mas que existe,existe.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O dia em que perdi você

No dia em que perdi você o sol estava resplandecente no céu, e a tarde parecia coisa de cinema, daqueles filmes de mulherzinha que você tanto gosta, e isso me passou completamente despercebido na minha necessidade de ver tudo, menos você e as coisas que te importavam. Terminamos o dia deitados um ao lado do outro, assistindo meu seriado favorito e nem parei pra reparar que sua pele não tinha mais o calor habitual, e que você não havia jogado a perna direita sobre as minhas. Havia tempo que carinhos desse tipo tinham entrado no lugar-comum das coisas corriqueiras.


No dia em que perdi você, eu já havia perdido-a a muito tempo, nesse dia eu só ganhei consciência de que aquela morena espetacular, de covinhas e sardas não tinha mais nenhuma pinta de minha.

Fui ignorante em pensar que manter nosso amor significava te dizer ‘eu te amo’ automaticamente, e te ligar uma vez ao dia no trabalho pra ver como você tava. Isso era cuidado, e não, não bastava. Eu não parei pra pensar que você tinha todos os seus sonhos e desejos e que havia me dito, lá no comecinho, mexendo aquela boca rosada, que queria bem mais do que um amor ligado no 110. Você era 220 v, e não tinha qualquer adaptador que fizesse funcionar em outra voltagem.

Quando te perdi, dei de ombros e pensei que pior pra você, eu era um solteiro cobiçado, desejável, com milhões de baladas e amigos. Era jovem, bem empregado, falava inglês, lia tudo que o Stephen Hawking escrevia e conhecia o nome de umas 5 constelações, o bastante pra conquistar uma loira que desse de 10 nessa sua falta de modéstia, e nocauteasse o seu amor próprio – ingênuo, eu pensei que bastava me ver bem pra te fazer ciúmes e você voltar correndo. Mas isso passa morena, e eu sei que passei.

No dia em que me dei conta que te perdi, ignorei tudo que dizia a música do barão vermelho e chorei como menino pequeno. Debulhei minhas lágrimas em cima da sua camiseta rosa que ficou esquecida no meu guarda roupa, tinha seu cheiro flor, tinha você ali em cada detalhe de tudo: na cortina que você escolheu, nas meias novas que comprou pra mim, nas cuecas Box que você achava sexy, e até então eu não tinha aberto os olhos pra te ver em nenhum desses detalhes. Eu não te vi nas coisas pequenas, como veria nas grandes?

Naquela última vez que nos entregamos um ao outro. Você de olhos fechados o tempo todo. Achei estranho: você, que fazia amor com os olhos também, não querer ver? Seu brilho estava apagado, não tinha nesses lagos castanhos aquele ziriguidum que elevava minha testosterona a estratosfera e que era tão excitante quanto a loucura do seu quadril à brasileira. Só agora penso que você devia ter feito amor não com quem eu era naquele instante, mas com a lembrança do que eu tinha sido antes: O cara bacana e romântico que te agarrava pelos corredores, e punha flores no seu cabelo, que mordia sua cintura e fazia café da manhã pra você. Sabe, acho que deve ter sido brochante dormir com esse outro cara que eu me tornei. Eu ali te consumindo, e já tinha sido consumido há muito tempo dentro de você.

Quando tive que engolir meu choro, secar as lágrimas na minha camisa do Mengão, e aceitar que nosso time não passava agora de uma fotografia na gaveta, percebi que não me importava nenhum pouco com as toalhas molhadas que você deixava na minha cadeira. E não ligava se você cozinhasse sempre macarrão e/ou strogonoff, nem de perto tinha importância você ter cortado o cabelo curto e eu gostar dele comprido. Eu nem ligava pra suas amigas que diziam que você merecia coisa melhor: elas estavam certas, você merecia mesmo. Mas eu podia ser esse melhor pra você, é sério, eu podia.

Hoje vi suas coxas passando por mim, encimadas por aquele seu vestidinho de babados. Fui educado, e cumprimentei-as mas, não saberia dizer como você estava: me faltou coragem pra ver nos seus olhos meu reflexo e minha frustração. Acabou que disse ‘oi’ ao seu pezinho 37, tão pequeno para sustentar esse mulherão que me deixou sem eira nem beira. Suspirando toda a minha autoconfiança, te vi passar. Mais linda do que nunca, vestindo sua certeza de que da próxima será diferente.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Eu quero um substantivo

Essa falta de substantivo me assola. Sou coesa demais com meus sentimentos para ter um deles na prateleira sem a etiqueta de nome. Incomoda-me não ter a certeza de um contorno conhecido. Eu sei o quanto você gosta dessa dança solta, e embora eu não seja de coreografias decoradas, gosto de saber qual é o ritmo.


Tá, eu gosto de você. Gosto com tranquilidade e com aquele tom suave que tem uma camiseta branca. O que preocupa é que isso tem um sabor diferente, e como prato novo, não foi possível categorizá-lo em nenhuma das cozinhas que conheço.

Você me acha muito confusa, e é verdade eu sou. Nasci com direito a confusão, é uma questão de gênero: Sou mulher, sou confusa. Mas é você quem me confunde não dando nome pra essas coisas que a gente sente. Eu posso rotular? Ou você etiquetará nosso frasco?

Eu durmo com você. Eu durmo, você não. Eu te disse que era um péssimo indicativo, e você riu da minha maneira matemática de cotar suas reações como indicadores da bolsa de New York. É que racionalizar sentimento é impossível, então pego as beiradas que me sobram nesse cobertor curto e tento entender o que acontece nessa nossa aventura. Será esse o nome?

Sim, eu tenho alguns superpoderes. Sou elástica, tenho riso fácil. Não sei o que é obturar dente, falo de amor como quem fala de química: tenho a pretensão de conhecer todas as reações. Sou obtusa às vezes, e tenho um medo imenso de não compreender seus sinais. Mas nenhum dos meus superpoderes inclui saber o que está na sua mente, e eu nem sei se consegui chegar ao seu pericárdio, que dirá me instalar nesse seu coração?

Na minha contemplação muda, percebo bem mais do que você imagina. Desenho em minha mente o quadro clínico dessa nossa história, e vou rascunhando sua ‘ficha de personagem’. Você tem habilidades de destreza, carisma, esquiva – nessa você tem até bônus - e tem ganhado muitos pontos no corpo-a-corpo, que, aliás, sempre foi uma especialidade. E de armas, bem: só não quero que use a bat-corda e desapareça do meu palco; de resto sinta-se a vontade para fazer seu jogo.

Do outro lado da minha taça de vinho vejo seu sorriso, e, se não é um amor tipo o da cinderela, já visualizo alguém que conquistou essa minha estação chuvosa, e minhas tardes mais preguiçosas. Mas que nome tem isso? Como se chama essa vontade? Porque não damos um nome? Você sabe o quanto gosto de substantivos.

Sei que tudo que tem forma pode ser mapeado, e consequentemente destruído. Eu li com avidez ‘a arte da guerra’ e entendo bastante sobre em que terreno lutar, e quais as circunstancias me garantem maiores chances de vitória. A questão é que você foge dos meus parâmetros e escapa do meu rigoroso controle de qualidade. Na verdade, o que mais gosto em você, são justamente os defeitos.

Close, foco: fecho o diafragma, pisco mais rápido que o obturador, e leio nas entrelinhas a brevidade de tudo. Não, não quero um amor pra vida inteira, não tenho qualquer impulso reprodutivo-corporativo: pra isso eu tenho tempo. Eu só quero a certeza de um de seus verões, e poder dar nome para isso. Quero que este pequeno instante-tempo seja pleno e substantivado.

A falta de nome me assusta mais que o fato de fazermos planos. Planos pertencem ao voluntarioso futuro, e de nosso, nós dois sabemos, só temos o presente. Não estou preocupada com o que imaginamos. Com o que sonhamos ou planejamos. Não ter um agora me parece bem mais assustador do que não ter um depois. Você conseguiu me acompanhar? É que me parece tão difícil de explicar, e você vive dizendo que eu tenho palavras pra tudo. Eu tenho teoria pra tudo, mas na prática é tão mais difícil. Invariavelmente complicado.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

De minhas, nem as palavras.

De minhas, só as palavras. Nenhuma bolsa onde levar apenas o que posso carregar, nenhum castelo, ou espada para defendê-lo. De minhas, só tenho as palavras.


E nunca as trato bem. Não tenho compromisso com o erudito, e não conheço palavras rebuscadas. Uso jargões já cansados e clichês desbotados.

Mas não as roubo. As que tenho serão usadas para explicar, exemplificar e pontuar o que sinto e vejo. E de pontos, só o final e pequenas vírgulas. Desconheço as exclamações, e sou inteira interrogações, que de tão usadas vão tornando-se afirmações.

De minhas palavras não recebo abandono ou critica. Somos amantes ferozes para os quais não há espaço ou tempo. E minhas palavras amantes costumam querer um enlace em momentos impróprios. E vão crescendo em mim até me sufocar e ser quase impossível não transbordá-las ao papel, a minha mão, e a qualquer superfície que se permita marcar. São exigentes e cruéis, me fazem perder o sono sistematicamente.

De minhas só as palavras, e há momentos em que penso que eu é que sou delas, refém fiel e estolcombatizada de seus desejos caprichosos.

Gostam que eu as enfileire e organize, e adoram surgir em mim de forma complicada e desordenada. Pegam-me pelo calcanhar e me fazem beber do fel, e provar o mais doce néctar. Tudo é uma questão de vontade e desejo.

De minhas, só as palavras, e no final, eu é que sou delas. Receptáculo para suas danças e canções, sou coreografa de uma dança pré-conduzida.

Minhas palavras me possuem me comandam. Neste momento mesmo, são elas a lhes falar, não eu. As frases me acontecem no instante em que as escrevo. E me possuem gananciosamente. Nada deixam de meu: tudo são elas.

Não posso sequer dizer que somos ‘nós’. Sou eu e mim, e elas. Algumas palavras são eles. E a grande maioria não se encaixa em gênero, só em grau e fato.

De minhas, nem as palavras. Afinal elas só me possuem no instante em que as uso, e depois não me possuem mais. E eu as possuo apenas enquanto ainda não saíram de mim, e quando estão em mim, elas não tem força.

Quero todas as palavras e sua ânsia voluptuosa por ser. Não por estar.

domingo, 7 de novembro de 2010

Várias formas e tamanhos

Eu já conheci muitos amores. De várias formas, de vários tipos, de inúmeras cores. Alguns amores me tocaram profundamente, e por algum tempo mereceram espaço, cheiro, saliva e suor de meu corpo e minha alma.


Apaixonei-me por diversas etnias,  muitos ritmos e pessoas de vários sexos. Por que paixão é o antônimo de conjunção carnal, é uma conjunção de idéias.

Já me apaixonei por pessoas que não sabia o nome, e por coisas que não sabia a cor ou o gosto. Apaixonei-me por músicas, letras, palavras, pinturas, retratos, livros, fatos e por mim mesma, várias vezes.

Às vezes enquanto espero o trem, me apaixono perdidamente pelo céu e seu azul de miosótis. Pelas nuvens e seu aspecto de algodão. Pelas obras do homem, pela eletricidade e pelo simples fato de ser envolvida em todos os lados por oxigênio.

Encanto-me constantemente com as rugas nos rostos dos transeuntes, com o velho que vende jornal, com as tintas do jornal. Por um pé na frente do outro e andar para onde quiser me inebria e entontece. É mesmo uma fascinação.

Aprendi a provar o mundo com olhos, boca, ouvidos, tato, olfato e com o coração. Sinto tudo em mim, e experimento a mágica de fazer parte desse tudo. Sou como uma célula: a parte pequena que compõem o tudo.

E adoro o sabor que viver tem.

sábado, 6 de novembro de 2010

Nunca o purgatório

O fato é que não gosto de nada morno.


Leite morno, filme morno, romance morno, amor morno? Nem pensar. Faça-me arder, ou tenha a compaixão de ser uma suave calmaria. Mas não me desperte para o mais ou menos.

Eu quero o inferno ou o Céu. Não me contento com nenhum purgatório. Ou me devore inteira ou não tire nenhuma fatia: ou seja gula ou recolhimento, nunca moderação.

Se for pra me fazer voar, que seja entre as nuvens. Caso contrário me deixe no meu chão estável e conhecido. Não me pinte com tintas pardas, eu sou vermelho. Nunca bege.

Bagunce meu cabelo, beije minha nuca, me arranhe com sua falta de modéstia. Mas saiba que meu coração não é um cofre fechado, e que se é, não sou eu quem possui a chave: A senha de entrada está a seu bel prazer.

Não use imoderadamente seus olhares comigo, não me conquiste para ser um belo apetrecho ao seu estilo básico, me ame intensamente e te amarei da minha forma louca e insensata.

Fuja comigo. Ou me leve com você. Mas não me deixe pra trás enquanto você acena: não estou acostumada a ser um porto seguro, eu sou o mar agitado, não o lago tranqüilo.

Me ame no chão, que seja. Mas não me deixe calar meus gemidos em palavras, não me deixe trocar meus arrepios por banhos frios. Seja intenso, não eterno. Não preciso de nada imutável.

Eu não nasci para o 'mais ou menos'.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Minha lucidez está louca por você

A minha lucidez anda tão louca por você, que às vezes me pergunto se minha loucura é que ficou sã.


De noite, antes de dormir, lembro tua voz de travesseiro e teu sorriso gostoso: o som quente e ritmado da tua risada me tira a sanidade, o sono e me trás a saudade daquele fogo cálido, nosso velho amigo.

Quando acordo, é a fanfarronice de seu jeito de menino que me atormenta o café da manhã. E entre pãezinhos, torradas e minha xícara de chá quente eu percebo o quanto te conhecer me fez bem. E em quantas xícaras de chá tomarei até essa vontade de você se aquietar em mim.

Na minha urgência de conhecê-lo, atropelo palavras e uso clichês. E até perdoo o pecado mortal que é gostar mais de Caetano do que do Chico: por você eu abro algumas exceções.

E fico rindo ao longo da manhã pensando no seu desafio de viajar para lavar roupa, em dormir com secador de cabelo e no seu medo de chuva. Chuva torrencial, que fique bem claro.

Na nossa busca por equilíbrio, vamos dosando esse sentimento sem nome com bossa nova e chorinho. Temperando tudo com presença e ausência, delimitando nossos espaços e criando a interseção que é nosso espaço comum, e que, me parece, está sendo feito pra durar mais que o verão que chegou junto.

Nesse pouco tempo em que teu mundo se achegou ao meu, posso ver que meu pitaco sobre afinidade está mesmo certo, e de pedaço em pedaço vamos descobrindo o quanto minha teoria é infalível. Uma de minhas poucas certezas.

Rememoro sem ter porque o fato de você não poder comer frutos do mar, e penso na graça que é ser canceriana, com ascendente em virgem. Tudo sem sentido, num mundo tão cheio de razão. Mas, é sutilmente provocante, como as coisas boas tem que ser.

Agora cá entre nós, se fosse outro a colocar dedo, palavras e cheiro no meu universo, não sei não. Mas você interferiu diretamente na minha gravidade e minha órbita foi um tanto afetada por sua atenção despretensiosa e sua companhia de ideias.

Percebo que as cores andam mais vivas, mais brilhantes e apetitosas: Sinal de alerta! Uma mulher de um metro e oitenta não se emociona facilmente com a cor das coisas. Tem que ter um prisma novo nesse olhar castanho, e este prisma reflete nuances novas em olhos já cansados das cores habituais.

A minha lucidez ficou louca realmente, e tenho certeza que a loucura está lúcida. E a pergunta é, como é possível tudo ter mudado tanto e o equilíbrio ser perfeito?

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