Ela dorme despreocupada usando de travesseiro o meu peito cheio de preocupações das quais não conhece nem cor, nem cheiro. Ressona com a boca grande meio aberta e joga a perna esguia na minha gelada, e, sem compaixão, me faz refém desse calor veranil que seu corpo emana. Eu vejo suas pálpebras cerradas e cogito os sonhos que se desenrolam atrás destas cortinas. Com sua intuição feminina sonolenta, mas presente, sorri dormindo; como que achando graça da minha necessidade de velar seu repouso, e permanece entregue aos meus braços e do Deus do sono.
Enrolo o dedo na mecha de cabelo caída desatentamente sobre seu seio, e sinto sua pele entesar-se, minha pele arrepia diante da promessa oculta neste singelo gesto de proteção da sua epiderme. Roço minha barba mal feita no seu rosto e observo suas diminutas mãos procurando o motivo daquele desconforto inesperado e me desvio de meus objetivos pensando em como uma mulher tão grande pode sobreviver com mãos tão pequenas. Como se defende desses cafajestes que maltratam sua alma arranhando o queixo na sua tez rosada?
E eu vejo tudo aquilo. Observo atentamente o subir e descer de seu tórax, deslizo o dedo pela costura lateral da camisola dela e me mato por dentro nessa indecisão de não saber mais do que hoje. Afasto da cabeça a lembrança da minha frase dita quando a vi sorrir no batente da porta a guisa de um convite para entrar: pra minha casa e pra minha vida. Minha voz segue retumbando nas paredes vazias do meu apartamento recém-adquirido. Sem quadros, sem fatos e sem cor: são as paredes e sou eu sem ela por perto.
Então, mesmo anuindo que é só por aquela noite, sinto aqui dentro que vou precisar que fique mais; mais do que ela acha que pode e bem além do que eu acharia aceitável.